quarta-feira, 23 de maio de 2012

Eu não me lembro...

Da última vez que estive aqui, eu falei de um relacionamento antigo, de quase 20 anos atrás, que me marcou muito. Minha mãe costuma me falar sobre como eu reajo ao mencionar essa história. Ela disse que eu preciso soltar a mágoa que ficou e dar lugar às lembranças boas. Reolvi trabalhar melhor isso, porque essa é a maior mágoa que ainda carrego em mim. Nem mesmo o fato de ter sofrido abusos na infância me machucam tanto quanto me lembrar daqueles 17 meses de namoro. É óbvio que foi preciso muito tempo de terapia para que os abusos não me machucassem mais. Creio até que já perdoei "os abusadores". Mas essa história... É tudo muito esquisito, porque quando paro para pensar na razão disso, sequer consigo identificar. Se me pergunto se gostaria de tê-lo na minha vida ainda, a resposta é imediata. Um "não" imenso ecoa na minha mente. Sinto que não seríamos felizes juntos nem se quiséssemos tentar novamente. E sinto que eu não o quero por perto. Mas ainda persiste um gosto amargo de rejeição. Ainda me vejo perguntar o porquê de tudo ter se acabado. Frases ditas, cenas rápidas de um romance que acabou. A eterna dúvida se, por parte dele, houve de fato algum sentimento. Eu só queria saber. Parece que ficou uma lacuna enorme. Talvez ela um dia se preencha com a onisciência de quem morre e pode ver o passado novamente e o futuro, ligando todas as pontas. A verdade é que eu não me lembro. Não me lembro de nós dois. Não sei como éramos. Não sei se ele foi feliz ao meu lado, ainda que por pouco tempo, antes de eu me tornar doentia. Não me lembro de grandes gargalhadas. Só lembro daquela arritmia que se sente quando o chão falta aos seus pés. Eu me sentia assim diante dele. Eu sentia que meu coração não queria ficar em mim... Era como se meu coração quisesse fugir do meu peito e ir para as mãos dele. Isso doía tanto, porque naqueles meses, eu não era o suficiente para mim mesma. Ele ia embora, meu coração morria. E eu me matava um pouco a cada dia. Será que a mágoa se baseia em como eu vejo que não era amor, mas sim uma doença? Será que essa mágoa é apenas minha auto-crítica, condenando minhas atitudes, me repreendendo por não ter sido mais raçuda, mais eu, mais independente? O que será que provocou isso? Questiono-me se isso não foi o resgate de algum karma, tão antigo quanto a própria história de todos os amores do mundo. Agora, com quase 34 anos, me parece tão injusto que eu tenha sentido algo tão violento sozinha. Eu realmente gostaria de saber se houve alguma sinceridade quando ele dizia "Eu te amo". Ele dizia muito, olhando nos meus olhos. Ele via uma espécie de mancha azul, como uma linha, na parte inferior da minha íris cor de mel. Meu marido, no entanto, que é a pessoa que sei que mais me amou nesta vida, nunca a viu. As perguntas jorram E a angústia de não sabê-las responder faz de tudo o que passou uma névoa negra sobre uma época em que eu deveria ter sido imensamente feliz. E no fim, eu não me lembro... eu não me lembro de como éramos, como fomos... Eu não me lembro de ter sido feliz ao lado dele, e ainda assim, naquela época, eu não queria viver sem ele. Preciso me perdoar por isso.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Exorcisando demônios

Autoanalisar-se é um exercício doloroso... é preciso coragem para fazê-lo, porque não há ninguém para mediar o processo ou dar uma outra perspectiva dos fatos, dos sentimentos, das ações. Eu não sou psicóloga, portanto, essa seção é absolutamente intuitiva e confessional. Não acredito que eu vá chegar a alguma conclusão ao fim do desabafo. Eu estou trabalhando arduamente para construir minha autoestima. Falo em construir porque tenho a sensação de que, nesta vida, ela nunca existiu. Talvez, na infância, quando isso é apenas uma semente que trazemos, ela tenha sido espisoteada e não tenha germinado. Talvez eu nunca venha a saber o que realmente ocorreu. Então decidi que tenho que trabalhar este momento, o "agora". Revirando o baú da memória, resgatando momentos em que minha autoestima pareceu a chegar a um nível abaixo de zero, revi o meu relacionamento mais intenso, a paixão mais avassaladora que vivi. Ao contrário de outras paixões passadas, essa não deixou a sensação de carinho pela pessoa ou pela relação em si. Só pude identificar as dores daquela época e como o que parecia o maior amor do mundo passou a ser uma mágoa de peso colossal na minha alma. Aos poucos tenho processado isso, porque se eu guardar por mais tempo, vou acabar desenvolvendo um câncer. Antes de contar a história, é preciso deixar claro que não há mais nenhuma paixão pela pessoa. Eu não consigo imaginar minha vida ao lado dele porque somos como óleo e água. Embora na época parecesse que tudo se casava, hoje eu vejo que sofri mais do que fui feliz, porque ele não era quem eu queria que fosse. Eu devo ter sido um pesadelo na vida dele: insegura demais, controladora demais, dependente demais. Sim, eu tive uma boa parcela de culpa pelo fracasso da relação. Eu tinha expectativas que iam além da realidade. Eu queria o conto de fadas, a fantasia de que uma paixão com aquela força fosse correspondida na mesma proporção e, mais ilusão ainda, que durasse para sempre. Mas ele parecia me escapar. Como eu só queria estar com ele e mais ninguém, eu queria que ele desejasse o mesmo. Os amigos, os jogos de RPG, os shows de rock... sem mim... tudo era motivo de eu começar a enlouquecer achando que ele não voltaria mais, que ele não telefonaria mais. Sim, eu fui a pior namorada do mundo! Tenho certeza de que isso é um dos motivos de toda essa mágoa. Eu me anulei por completo porque parecia que era melhor estar sofrendo naquele relacionamento do que ficar sem ele. Eu me rebaixei, deixei que ele me humilhasse, que ele me manipulasse, que me machucasse porque ele sabia que eu aceitaria qualquer condição para estar com ele. Lembrar desse relacionamento é o mesmo que sentir raiva de mim mesma por ter permitido tudo isso, por ter sido tão passiva e não ter me dado nenhum valor. Consigo ver claramente eu me envergonhando pelas minhas origens, pela minha bagagem cultural que ele tanto menosprezava por ser filho de inglês e ter nacionalidade inglesa. Lembro que mesmo quando brigávamos, e eu ficava super magoada com a frieza com que ele me tratava, eu não conseguia dizer "Vá embora, me deixe em paz! Eu não quero falar com você!". Eu me fiz ser "um nada" porque achava que ele era tudo de bom que poderia acontecer na minha vida. Eu não sei quando vou me perdoar por ter deixado tudo acontecer como aconteceu. Eu não sei se vou conseguir, um dia, perdoar esse cara que se aproveitou das minhas inseguranças, da minha própria infantilidade, afinal, eu tinha 15 anos. Mas agora, a lama de toda essa história está em minhas mãos, e eu quero limpá-la.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Em busca dos "insólitos" perdidos

Quando eu estava no segundo semestre do curso de Letras, eu fiz uma disciplina chamada Teoria da Literatura I. Embora fosse "I", não era a primeira Teoria da Literatura. Mas foi a primeira e única disciplina em que precisei fazer prova final. As poucas coisas de que me lembro sobre essa disciplina são essas: nela, trataríamos de prosa, deveríamos fazer uma pesquisa sobre Paul Valèrie - que por não ter sido feita me rendeu a tal prova final - e a palavra "insólito". Tivemos aulas e mais aulas sobre esse tal insólito. É óbvio que a primeira coisa que fiz, diante do palavrão, foi ir ao dicionário saber do que se tratava. E era mais ou menos o que eu tinha imaginado. Na minha humilde mente, de forma simplista e simplória, insólito é aquilo que é inusitado, aquilo que quebra com algumas expectativas óbvias. Antes, entretanto, fiquei na aula, fazendo cara de inteligente, tentando fingir que tudo aquilo estava muito íntimo das minhas concepções e de meus conceitos. Ao longo da disciplina, senti que ele é mesmo muito importante para a literatura. Mais! Parece que ele é muito importante para o toda e qualquer arte e, é evidente, para toda a intelectualidade. Tempos depois, percebi que o insólito me traumatizou de tal forma que passou a ser "A arca da Aliança" da minha vida. Há poucos dias, percebi que as pessoas, e eu estou no balaio, buscam valorizar as "insoliticidades" de suas vidas. É óbvio que isso interfere no que eu escolho fazer, em quem escolho ser, em como vou me portar. Por que, simplesmente, não podemos ser apenas óbvios, comuns e mediocres? Vivemos como se quiséssemos que nossas vidas fossem filmes-cabeça, daqueles de Ingmar Bergman, que só são exibidos nas salas de Artes. Cada momento estranho ou bizarro é um quadro novo a ser pintado. Nosso caminhar ganha trilha sonora. O dia a dia gera a sonoplastia típica do cinema nacional, de carros, buzinas e talheres tinindo nos pratos. Como nos filmes-cabeça, os insólitos nascem e se vão em detalhes mínimos, em instantes de insights relampejantes que não provocam finais hollywodianos. Ninguém nunca me confessou querer viver uma vida de cinema ou de romance. Mas se eu vejo que os dilemas e angústias são os mesmos, porque a forma de projetar isso não seria? Enfim, estamos todos buscando tudo aquilo que nos tire do lugar comum. O curioso é que a busca gera o efeito contrário, na maioria dos casos. Seria tão mais fácil se o insólito ficasse encapsulado somente na arte.