terça-feira, 24 de novembro de 2020

2013 a 2015

Eu tinha uma regularidade de postagens aqui até 2012, quando fui demitida da Instituição 1 em que trabalhava. Se o leitor/confidente quiser conhecer, basta voltar pra o início de tudo para perceber o nível hard da depressão, agora já diagnosticada. Eu era muito deprimida e muito relutante em aceitar, em buscar ajuda. Fiz terapia por várias vezes e por muitos anos, mas sempre interrompendo ao primeiro sinal de melhora no ânimo. Grande erro. Então, já que me propus a contar como foi a jornada de lá para cá, que resultou numa melhora considerável do quadro, preciso voltar àquele momento que foi um grande gatilho, me levando pra uma das quedas mais duras no meu processo, que é depressão reativa-atípica. Se quiser entender o tipo de depressão, dá uma olhada no post anterior, em que eu explico como é. Era dezembro de 2012 quando fui demitida da Instituição 1. Professor aqui no Brasil, via de regra, costuma ser demitido em dezembro (fim do ano letivo) ou julho (fim do 1º semestre letivo). Comigo, as duas vezes, foi em dezembro. E em 2012, foi a primeira vez que fui demitida na vida. Pra quem tem um padrão recorrente de reação à rejeição, esse foi O GATILHO, porque eu me sentia literalmente jogada fora no lixo. A instituição em questão tinha por praxe não pagar certos direitos trabalhistas, o que me impediu de acessar o seguro desemprego. Tive de entrar na justiça após findado o prazo de pagamento da rescisão contratual, o que não aconteceu também. Enfim. Comecei 2013 desempregada, sem nenhuma perspectiva de fonte de renda, e mais uma dor de cabeça, que era todo o trâmite legal de procurar um advogado, acertar todas as coisas para poder receber o que me era de direito. Eu até tentei mover algumas esperanças, falando com conhecidas e ex-colegas sobre "estar na pista" profissional novamente. E quem é professor sabe que, se você não for contratado até início de fevereiro, dificilmente você conseguirá alguma coisa até julho. Graças à Deusa, meu marido sempre foi muito acolhedor e compreensivo. Tivemos de cortar custos, inclusive de serviços prestados. Assumi completamente os trabalhos domésticos e o cuidado com meus filhos. Beeeeemmmm dona de casa: outro gatilho. E pra não enlouquecer, cursei a última disciplina que faltava em Gastronomia, para poder me formar. Uma das pessoas com quem conversei sobre estar disponível para dar aulas foi a coordenadora do curso de Gastronomia em que eu estudava. E, a despeito de tudo que aconteceu depois, tenho muita gratidão por ela. Em maio daquele ano, a professora de Análise Textual do curso de Gastronomia foi nomeada numa instituição pública na qual havia sido aprovada em concurso, e por isso deixou a disciplina e a Instituição às pressas para tomar posse. Imediatamente, a coordenadora pensou em mim, que já era formada em Letras e tinha Mestrado. Assim, em maio de 2013, eu passei a lecionar na Instituição 2. A carga horária era pequena, e o dinheiro só chegou depois que o semestre terminou, por conta de toda uma questão de sistema, etc e tal. Mas foi muito importante poder sair de casa para dar aula, ainda que fosse apenas por 1 hora e 40 minutos na semana. Eu sentia que podia! Eu tinha um sentimento bom por estar trabalhando. Aí eu preciso explicar o gatilho de ser dona de casa: eu nunca quis, nunca gostei. Sempre desejei ter família, mas nunca desejei ser a dona de casa. E eu cresci vendo as mulheres da minha família sendo diminuídas e machucadas, justamente nesse lugar de submissão e servilidade. Eu odiava (e ainda odeio) a ideia de repetir o padrão de minha bisavó ou minha avó. Queria viver numa casa onde todos fazem as tarefas, porque a casa é de todos. Mas enquanto eu estava desempregada, eu tinha de aceitar que as outras pessoas da casa tinham menos disponibilidade para as tarefas domésticas, porque estavam trabalhando ou estudando. E eu? Eu estava desempregada, tinha tempo suficiente disponível para cozinhar, lavar, passar, limpar a casa, etc. E isso me acabava, porque eu estava desempregada, sim, mas não por minha escolha. Então quando eu comecei a trabalhar fora novamente, eu podia dizer: eu também trabalho. Eu também tenho de preparar aulas, corrigir atividades, estudar...
Eu terminei a faculdade de gastronomia em 2013.1. E no semestre seguinte, me foi dada a oportunidade de assumir duas turmas de Técnicas Básicas de Cozinha. Foi aí que me tornei professora de Gastronomia. E não foi fácil, como se poderia pensar. Eu me sentia extremamente insegura, porque havia acabado de me formar, porque nunca tinha tido experiência em restaurantes, salvo no Restaurante-escola do curso profissionalizante que fiz. O medo que os alunos me confrontassem e percebessem que eu estava tão "verde" naquele papel era tamanho, que o fato de ter uma fonte de renda novamente não era suficiente para que eu me sentisse em paz. Foi em setembro de 2013 que procurei meu plano de saúde para pedir sessões de terapia. De lá pra cá, não parei mais. E se não tivesse sido assim, eu teria surtado legal em 2014. Foi ano de Copa do Mundo. E de eleição para presidente, governadores e todos aquele povo do Legislativo. E, lembra?, a Copa foi aqui no Brasil. Fiasco! Não o 7x1 da linda Alemanha sobre o Brasil, mas todo o despreparo do país para isso. E não! Não foi por causa da Copa do Mundo que meu ano de 2014 foi um pouco turbululento. Mas a Copa teve muita influência em tudo o que aconteceu. Por causa da iminência da Copa, de todos os gastos públicos com as preparações para o evento e da eleição presidencial, muitas categorias profissionais começaram a se manifestar. Aqui em Salvador teve paralização de tudo que é tipo: rodoviários, polícia, etc e tal! Isso implicava em quê? Aulas suspensas. Depois, quando a Copa começou, aconteceram jogos aqui na cidade, no Estádio da Fonte Nova. O que isso causava: paralização de aulas. Ah, e tinha jogo do Brasil, claro! Suspendam as aulas para o povo assistir aos jogos. Resumo da ópera: o semestre estava acabando, eu tinha cinco turmas, dentre as quais duas de Cozinha na Hotelaria, disciplina que eu peguei pela primeira vez. Calendário apertado e muitas aulas ainda por dar, devido a tantas suspensões. Então vem a 1ª grande lição do ano de 2014: Sempre dê a carga horária completa da disciplina, mesmo que você tenha de dar aula num domingo ou num feriado. Eu nunca tinha vivenciado uma situação dessas. Antes, trabalhava numa IES em EAD. Tudo milimetricamente organizado. Não havia suspensão de aulas, por nenhum motivo que fosse. Não estou me justificando. Apenas explicando o porquê de eu ter cometido os erros que cometi. A cada aula suspensa pela faculdade ou pela prefeitura (sim, o prefeito decretava suspensão de atividades por causa da porcaria da Copa, pra melhorar o trânsito na cidade e não fazer feio para os turistas), eu pensava: "Não é culpa minha! Não sou eu quem está escolhendo não dar aula! Então, não tenho nada a ver com isso." Mas como falei antes, o calendário ficou apertado, e havia conteúdos práticos para serem trabalhados, em especial na turma de Hotelaria do turno da noite. Eu dividia a disciplina com o professor que antes era responsável por ela sozinho. Então eu fui perguntar a ele como faríamos para dar aqueles conteúdos. Ele me falou, como que em segredo, que não ia repor aula nenhuma, apenas que juntaria duas aulas em uma única. E apenas deixaríamos de dar as duas últimas aulas, pois seus respectivos conteúdos seriam vistos futuramente em outra disciplina. 2ª grande lição de 2014: Não confie num colega de trabalho que te faz uma proposta indecente. Eu sabia que estava errado não dar as duas últimas aulas. Faltavam apenas 3 semanas para o fim do semestre,e havia uma defasagem de 6 aulas práticas. As quatro primeiras foram trabalhadas em duas. Cheguei a propor aos alunos algumas possibilidades de reposição, mas a turma se recusou. Compreendeu que não seriam prejudicados em não ter os dois últimos conteúdos, e disseram que não viam nenhum problema em não ter uma reposição das duas últimas. 3ª grande lição de 2014: Por mais de saco cheio que você esteja da Copa, da cidade, do trabalho e do mundo, nunca, NUNCA, deixe que a opinião dos seus alunos interfira no seu planejamento, se for o certo a fazer. Depois de ouvir os alunos, fui pra casa feliz, achando que o semestre estava acabado e que eu, finalmente, poderia descansar de uma experiência tão intensa que foi ter 5 turmas de disciplinas práticas em Gastronomia. Alguns dias depois, recebo uma ligação da coordenadora, me chamando para conversar. Cheguei para dar aquela que, supostamente, seria minha última aula na turma noturna de Hotelaria, e recebi a bordoada pelo meio da cara: a turma não queria reposição, mas um único aluno sim. Ele estava errado? Não. O problemas é que ele não falou comigo. Nem mesmo falou com a coordenadora. Ele passou por cima de todo mundo e mandou um e-mail para a ouvidoria da instituição dizendo que eu não queria dar aula. Eu me lembro daquele momento como se estivesse em um filme, em slow motion: a coordenadora gritando comigo na frente de todos, dizendo que eu tinha que dar as aulas de qualquer jeito; o colega - aquele que me falou que não ia repor aula nenhuma - fingindo que a ideia de não repor as aulas era minha; outros colegas solidários a mim, mas em silêncio, sem poder me ajudar. Eu senti como se meu coração tivesse sido arrancado do meu peito. Até hoje é um gatilho me lembrar disso. De todos os alunos que já tentaram me prejudicar, esse e os últimos (de 2018) são os que ainda não consegui perdoar. Resultado da cena: tive de usar o dia que seria da prova final para fazer duas aulas práticas em uma com apenas três alunos numa faculdade deserta. Depois disso, pensei em desistir de ser professora. A cada semestre, queria sair dali de alguma forma mesmo que alguns alunos, na grande maioria, fossem legais e os colegas, incríveis (Exceto aquele que fez a proposta indescente e depois fingiu demência. Sobre ele, há muuuuito o que falar ainda. Até hoje tenho pesadelos). Em 2015, eu já me sentia mais segura. Mas tinha um pequeno problema: eu sempre detestei mexer em carnes, ou seja, bicho morto. Não é à toa que estou me tornando vegetariana. No 1º semestre de 2015, eu tive uma turma de Preparo Prévio. Basicamente é uma disciplina que ensina como tratar animais e legumes, verduras. Tem a ver com cortes e técnicas de desossa, etc e tal. E eu não gosto, nem nunca vou gostar, de pegar em bicho morto. Pela compaixão pelo animal que morreu, pela textura fria e escorregadia da matéria, pelo cheiro...Não foi isso que me levou para Gastronomia. Eu escolhi essa área porque queria ser confeiteira. Entende a diferença? Chocolate, pão, bolos, macarons, tartes... E não, frango, codorna, peixe. Gente! Eviscerar peixe é a coisa mais nojenta que já fui obrigada a fazer na vida. Bem, eu sou uma pessoa que dificilmente vai esconder a expressão de desgosto, nojo, raiva ou qualquer outro sentimento/sensação. E numa aula dessas de Preparo prévio, os alunos descobriram meu nojo. E foram reclamar com a coordenadora. Resultado: mais bronca. Mais assédio moral, porque as broncas eram numa sala onde todo mundo podia ouvir. E eu tinha de ir, humilhada, com o rabo entre as pernas, para a sala de aula, fazer de conta que eu não me importava em estar pegando naqueles bichos mortos. Na última aula para essa turma, eu disse que apesar do meu nojo, ninguém deixou de aprender nada, porque eu fiz o meu trabalho. E disse ainda que a faculdade me pagava para isso, e não para gostar de tirar tripa de peixe. Comprei briga com aquele coleguinha - que agora havia se tornado supervisor - e com a coordenadora. Aquele lugar já não era mais um local de exercício de ensino-aprendizado com diálogo. Era como se eu estivesse jogando batalha naval. Eu não sabia qual aluno estava pronto para usar minhas palavras contra mim. Por mais que minha conduta fosse correta, eu estava sempre na defensiva, porque se os alunos quisessem, eles podiam tudo. A instituição é particular. Lá vale a lei de que "O cliente sempre tem razão". Dizem que você não pode falar mal de quem te deu emprego. Não estou falando mal. Estou mostrando a jornada que passei. Sou grata por tudo que aprendi lá. Sou grata por ter sido possível pagar minhas contas. E tudo o que vivenciei me possibilitou me conhecer mais. Se não fosse a terapia, eu nunca teria compreendido minha dificuldade em estar no papel de dona de casa. Também foi graças a isso que pude entender de onde vinha minha dificuldade em responder às broncas e me defender. Eu mantive minha terapia. Mas nessa época, também foi necessário entrar com medicação. Trabalhar era uma bênção, mas também era um suplício, pois era como entrar num campo de batalha. Os alunos não eram meus parceiros, os quais eu estaria ajudando a contruir uma jornada de conhecimento. Eram possíveis inimigos. Minha coordenadora e meu supervisor eram juízes. Quase esquema "vigiar e punir" de Foucault. Quem consegue ter qualidade de vida num trabalho assim? A partir daí, fiz todos os concursos que estavam ao meu alcance, na esperança de poder sair daquele lugar de cabeça erguida. Mas muita água rolou sob essa ponte. Esse foi só o começo. Hoje estou mais forte. Já consigo me defender. Entendo os gatilhos, e se puder evitá-los, eu faço. A terapia me ajudou. E digo a todos que quiserem ouvir: pode ajudar quem quiser.

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